Jorge Hessen
Um confrade muito querido sugeriu-me escrever sobre a revista Reformador, estabelecendo um paralelo entre a elevação dos conteúdos doutrinários veiculados no passado remoto , e a atual insipidez doutrinária e excesso de fotografias de dirigentes publicadas nas suas páginas.
Outro companheiro informou-me que a FEB – Federação Espírita Brasileira está preparando o lançamento (previsto para o mês de junho de 2016) da nova edição dos “Quatro Evangelhos”, almejando a submissão comemorativa aos 150 anos de lançamento do livro de J.B. Roustaing. Desta forma , telefonei para o departamento editorial da FEB e foi confirmado o tal lançamento, por isso mesmo, deliberei antecipar um manifesto de alerta em face da augurada reedição das obras que representam a ruptura de união ente os espíritas no Brasil.
Percorrendo determinadas narrativas sobre a história da revista Reformador inteiramo-nos de que ela foi fundada em 21/1/1883 por Augusto Elias da Silva, um fotógrafo português, num corajoso empreendimento de difusão espírita no Brasil do século XIX. Isto porque, fundar e conservar um órgão de propaganda espírita, na Corte do Brasil era, naquele período, para esmorecer o ânimo dos espíritas mais resolutos. Uma vez que dos púlpitos brasileiros, principalmente dos da Capital, choviam anátemas sobre os espíritas, os novos hereges que cumpria abater.
Escreveu o fotógrafo lusitano o seguinte: "Abre caminho, saudando os homens do presente que também o foram do passado e ainda hão de ser os do futuro, mais um batalhador da paz: o "Reformador". Com essas palavras inaugurais apresentava-se, no Brasil o novo órgão da divulgação espírita. ”[1]
O artigo de fundo do primeiro número traçava as diretrizes de paz e progresso pelos quais se nortearia o informativo, definindo ainda os objetivos que tinha em vista alcançar. Apresentou-se, portanto, o "Reformador" como mais um semeador da paz, apetrechado da tolerância e da fraternidade, desfraldando a bandeira da presumível “união” entre os espíritas. Ótimo!
Até 1888 a redação do periódico funcionou (no ateliê) montado na residência do Elias da Silva. Era um jornal quinzenal composto de quatro páginas e estima-se que sua tiragem inicial era de aproximadamente 300 exemplares, contando com cerca de uma centena de assinantes. A partir de 1902 passou ao formato de revista, inicialmente com 20 páginas e periodicidade bimestral. Na década de 1930 passou a ser mensal, e o número de páginas aumentou gradativamente. Em 1939, a FEB adquiriu e instalou as máquinas impressoras próprias, nas dependências dos fundos do prédio da Avenida Passos. Foi uma decisiva empreitada e graças a essa providência, as edições e reedições de livros espíritas e da revista começaram sua expansão.
Em seguida, com a instalação do complexo gráfico, em 1948, em amplo edifício (atualmente abandonado, arrasado e falido) especialmente construído em São Cristóvão/Rio de Janeiro, a FEB acresceu a propaganda doutrinária. Paradoxalmente, na década de 1970 a FEB “modernizou” as impressões de Reformador com as capas coloridas, substituindo inclusive o logotipo e desenho, mas a Revista tomou novo rumo gráfico oferecendo gigantescos espaços de proeminência para as imodestas imagens (fotos) dos diretores febianos.
Apesar de ser um dos quatro periódicos surgidos no Rio de Janeiro, de 1808 a 1889, que sobreviveram até os dias atuais e o único que nunca teve interrompida sua publicação, todavia diversas vezes desviou-se do programa de estudar, difundir e propagar a legítima Doutrina dos Espíritos sob o seu tríplice aspecto (científico-filosófico-religioso), sobretudo durante a coordenação do editor Luciano dos Anjos.
Em verdade, tudo tem matrizes nos eternos diretores roustanguistas que ininterruptamente (há mais de 100 anos) se revezam na direção da FEB até os dias atuais. Nesse confuso cenário foram infligidos e cedidos espaços fadigosos do periódico a fim de veicular as burlescas teses da metempsicose consubstanciada nos “criptógamos carnudos” (involução), do neo-docetismo [2] consoante propostos nas obras do visionário J.B. Roustaing, um “após(tolo)” da discórdia! E pelo que sei, desde a primeira edição já são mais de 15 milhões de exemplares publicados pela FEB.
A trajetória centenária do Reformador se confunde com a própria história do quartel-general de J.B.Roustaing, a FEB, da qual tem sido a porta-voz e a representação do seu pensamento. Confrades que não rezam pela cartilha roustanguista, embora sejam coordenadores de uma ou outra área doutrinária da FEB (baixo clero), jamais alcançaram lograr maiores destaques administrativos, sendo “aceitos” de esguelha pelos poderosos diretores (alto clero) , todos fanáticos pelo advogado de Bordeaux.
A revista Reformador, não raro, expressou várias vezes uma linha editorial e diretrizes a serviço do Evangelho à maneira sorrateira dos fastidiosos volumes dos “Quatro Evangelhos” de Roustaing, tal como ocorreu na presidência do Armando de Assis. Destaque-se que os quatro volumes de Roustaing são estudados sistematicamente nas reuniões públicas realizadas todas as terças feiras na sede da FEB, em Brasília e na sucursal febiana, sediada na Av. Passos-Rio de Janeiro, e isto diz tudo.
A FEB e UNICAMENTE ELA sucessivamente esteve na dianteira em defesa do roustanguismo. Nessa linha de contra-senso, tem expressado sempre a prevalência das suas verdades docetistas, embaralhadas e camuflada atrás da boa literatura do Chico Xavier e dos clássicos que edita. A FEB acredita que conseguirá catalisar a “unificação” e a unidade da Doutrina; mas em realidade , sempre sucederam e sobrevirão as dissidências (internas e externas) resultantes dos sofismas de princípios insustentáveis pela racionalidade kardeciana.
Para a consubstanciação do projeto da disseminação do docetismo, há mais de um século a FEB vem catequisando à socapa alguns confrades ingênuos. Na volúpia insuperável das interpretações equivocadas dos eternos fascinados pelos “Quatro evangelhos” vai transformando o caleidoscópico Movimento Espírita Brasileiro numa desordem ideológica sem precedentes inspirados nos vaporosos pilares dos engodos dos Quatro Evangelhos.
Com Roustaing narcotizando a mente do alto clero febiano será empreita impraticável evitar a dispersão sistemática e generalizada cada vez mais acentuada dos espíritas, em caminho de desintegração, por força de interferências obsessivas em nível de fascinação. Se a unidade doutrinária foi a única e derradeira divisa de Allan Kardec para o fortalecimento do Espiritismo, a união deve ser a fortaleza inexpugnável da Doutrina Espírita. Em verdade a FEB não conseguiu avançar coisa nenhuma nesse quesito de união entre os espíritas, justamente por que se deixou abater diante dos embustes docetistas, e de outras aberrações doutrinárias contidas na obra do bordelense, razão suficiente para não lograr a unificação, pois desconhece o poderoso antídoto contra os venenos das discórdias e desuniões, a coerência legada pelas obras codificadas por Allan Kardec.
Herculano Pires na sua sapiência ponderava: “Em os Quatro Evangelhos as verdades são sempre contrariadas pelas mentiras, o natural é prejudicado pelo absurdo e o belo é sempre desfigurado pelo horrível. Jesus é fluidificado, purificado e até endeusado; mas também é ironizado, ridicularizado, deturpado e estupidificado”! “Roustaing é o anti-Kardec. Se Kardec é o bom senso, Roustaing é a falta de bom senso”. [3]
Queira Deus que no futuro não distante ressurja o ideário da concepção e fundação de uma CONFEDERAÇÃO ESPÍRITA no Brasil (sem Roustaing, óbvio!)
Referências:
[1] disponível em http://febnet.org.br/site/conheca.php?SecPad=3&Sec=188 acesso em 13/04/2016
[2] Os gnósticos-docetas do primeiro século sustentavam que Jesus não tinha realidade física, que o seu corpo era apenas aparente. Sua posição contrariava as teses da encarnação do Cristo, apresentando-o como uma espécie de Deus mitológico, sob a influência das idéias helenísticas. O Docetismo exerceu grande influência em Alexandria, propagando-se a Éfeso, onde o apóstolo João instalara a sua Escola Cristã. João refutou a tese doceta como herética, pois além de não corresponder à realidade histórica, transformava o Cristo num falsário. A fábula dos docetas ( como o apóstolo Paulo a classificou) apresentava-se como uma das mais estranhas desfigurações do Cristo, fornecendo elementos ricos e valiosos aos mitólogos para negarem a existência real e histórica de Jesus de Nazaré.
[3] Pires, Herculano. O Verbo e a Carne, São Paulo: Ed Paideia, 1972
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