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  • domingo, 13 de dezembro de 2015

    “BRASIL, CORAÇÃO DO MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO”: UMA ANÁLISE CRÍTICA (PARTE III (CAPÍTULOS 15 ATÉ 23)



    LEONARDO MARMO MOREIRA

    CONTINUAÇÃO DA PARTE II...

    Capítulo 15 – A Revolução Francesa
                    Nesse capítulo, fora o jargão católico que permeia todo o livro, não há maiores pontos de destaque para a leitura de um Espírita militante. Todavia, acreditamos válido dois registros:

    p.111 “—Anjo amigo – interpelou um dos operários da luz naquela augusta assembleia...”
                   
                    “Anjo” é uma expressão católica que não tem nenhum valor à luz da Doutrina Espírita. Será que não poderia ser substituída? A Doutrina Espírita não veio ao mundo para proporcionar a cada um de nós a Verdade que liberta da ignorância? Ora, a ignorância espiritual inclui as visões mitológicas a respeito de Espíritos superiores, os quais são Espíritos humanos, trabalhando para o desenvolvimento progressivo de suas qualidades, o que consiste destino comum a todos nós. Cabe a pergunta: será que Allan Kardec, Léon Denis, Gabriel Delanne, André Luiz, Yvonne Pereira, Herculano Pires, Cairbar Schutel, entre outros legítimos representantes do Espiritismo utilizam com frequência tais termos? A resposta, obviamente, é não.

    p.113. “...Até que a fraternidade deixe de ser uma figura mitológica no coração das criaturas humanas, até que sejam extintas as vaidades patrióticas, para que prevaleçam um só rebanho e um só pastor, que é Jesus Cristo, os seres das sombras terão o poder de arrastar o homem da Terra às lutas fratricidas. Mas ai daqueles que fomentarem semelhantes delitos. Para as suas almas, a noite dos séculos é mais sombria e mais dolorosa...”.

                    O texto continua repleto de contradições em linguagem católica e prolixa. Vejamos esse trecho em que o texto critica o fato da “fraternidade” ser uma “figura mitológica”. Até aí tudo bem, porque, como diria o professor Herculano Pires, precisamos combater o mito e a fase mitológica que ainda perturba nosso pensamento religioso. O que é irônico, é que todo o livro “Brasil....” é marcado por linguagem típica da mitologia católica, retrocesso inadmissível para aqueles que já receberam a luz da Terceira Revelação.
                    Não satisfeito, o texto, poucas palavras depois, cai em outra contradição afirmando “...até que sejam extintas as vaidades patrióticas, para que prevaleçam um só rebanho e um só pastor, que é Jesus Cristo”. Ora, será que o livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” não exalta uma espécie de “vaidade patriótica”? O comportamento de muitos confrades (alguns, inclusive, que nem leram a obra com maior atenção, mas adoram seu título) denota isso. Título, inclusive, que, segundo Divaldo Franco (vide “Divaldo Franco Responde – Mediunidade/ Centro Espírita “Nosso Lar” – “Casas André Luiz”, 1999), gera um certo ciúme/ressentimento de nossos confrades de outros países, sobretudo da América Latina.  Ora, admitindo-se que “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” não deixa de ser um título e uma obra que abrange significativa “vaidade patriótica”, o referido livro estaria trabalhando contra Jesus, pois, em conformidade com o próprio texto, exaltando “as vaidades patrióticas”, seriam acentuadas as dificuldades “...para que prevaleçam um só rebanho e um só pastor, que é Jesus Cristo”. De fato, segundo o texto, “...até que sejam extintas as vaidades patrióticas...” esse único rebanho de Jesus não se estabelecerá. Se essa afirmativa do próprio livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” estiver correta, então, infelizmente, temos que convir que é muito questionável se essa obra, estimulando a acentuação das “vaidades patrióticas” brasileiras, constitui contribuição ou empecilho à implantação do “Reino dos Céus na Terra”, quando haverá “um só rebanho e um só pastor, que é Jesus Cristo”.
                    Para concluir esse muito complicado trecho, ainda são registradas as assustadoras ameaças: “Mas ai daqueles que fomentarem semelhantes delitos. Para as suas almas, a noite dos séculos é mais sombria e mais dolorosa...”. Além de ser um linguagem típica de “falas de bruxas em contos infantis”, tal postura fomentadora de medo já foi por várias vezes rejeitada por André Luiz e Emmanuel. Só para ilustrar, lembremos o desastre aéreo do final da obra “Ação e Reação” [Luiz, 2013], em que o Mentor de André Luiz recomenda que todo o esforço de André Luiz, na elaboração de material didático para os encarnados, deve ser direcionando em estimular o bem e não em gerar medo do sofrimento, da dor e da expiação. Dessa forma, ele não permite que André Luiz visite o local do acidente aéreo. Bom, aparentemente, o autor do comentário supracitado não teve esse cuidado.
                    Se a obra “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” não existisse, e nós, Espíritas militantes, comprometidos com a coerência e a qualidade doutrinárias, estivéssemos na condição de revisores/analisadores editoriais de uma editora espírita, não aceitaríamos a publicação de uma obra com o conjunto de discussões no mínimo questionáveis que esse livro apresenta.

    Capítulo 16 – D. João VI no Brasil
                    Logo no primeiro parágrafo do capítulo 16, o texto afirma:

    p.119 “Enquanto as falanges espirituais de Henrique de Sagres se reuniam em Portugal, revigorando as forças lusitanas para a escola de energia, que foi a guerra peninsular, o exército de Ismael voltava-se para o Brasil, a fim de inspirar o primeiro soberano do Velho Mundo que pisava as terras americanas”.

                    Cabe uma pergunta muito direta: Afinal, quem é Ismael? Questionamos isso, pois consideramos muito estranho o texto afirmar “o exército de Ismael voltava-se para o Brasil”! Ora, ele não é o mentor do Brasil? E, agora, volta-se ao Brasil? Onde ele estava então, até este momento? O sentido mais profundo ou pelo menos um contexto mínimo a respeito da afirmativa “o exército de Ismael voltava-se para o Brasil” deveria ter sido explicado no texto. Vale lembrar que logo no capítulo primeiro do livro fica claro que Hilel seria o mentor de Portugal, o qual teria reencarnado na crosta com o nome de Henrique de Sagres (registrado na página 20 do capítulo primeiro “...o heróico Infante de Sagres...”).
                    Vejamos o segundo parágrafo do referido capítulo, ainda na mesma página 117:

    p.117 “A esses esclarecidos agrupamentos do mundo invisível, aliava-se agora a personalidade do Tiradentes, que se transformara em gênio inspirador de todos os brasileiros...”.

                    No capítulo referente à Inconfidência mineira, já tivemos uma surpresa ao ler que Tiradentes morreu enforcado, tendo seu corpo sido esquartejado e mantido insepulto, devido a nefandos crimes cometidos como inquisidor, o que não impediu que se tornasse, logo após sua morte, uma alma redimida (vide comentário de Ismael no início da página 108, no fim do capítulo 14: “Redimiste o pretérito obscuro e criminoso com as lágrimas do teu sacrifício em favor da Pátria do Evangelho de Jesus”). Nosso estranhamento aumentou neste capítulo ao notarmos que Tiradentes se “...transformara em gênio inspirador de todos os brasileiros...”. Portanto, ele transformou-se em Mentor de todos os brasileiros. Apesar de Tiradentes ter sido um homem de valor, e realmente importante na História Brasileira, tornar-se mentor de todos os brasileiros é questionável. Então, digamos, ele estaria “ombro a ombro” com Emmanuel, por exemplo? Seria um avanço extremamente rápido para alguém que foi inquisidor no segundo milênio. Logo, trata-se de mais um comentário duvidoso.
                    Só para enriquecer nossa discussão, historiadores já demonstraram que muito do que os republicanos “criaram” em torno de Tiradentes foi exagerado, tendo sido feito para “gerar” um herói nacional e, por consequência, fomentar a identidade nacional, aumentando o sentimento patriótico e também diminuindo, pelo menos um pouco, a influência do período do império na História e no sentimento nacional.

    p.118 “Sobre os nossos esforços há de pairar a direção do Senhor, que se desvela amorosamente pelo cultivo da árvore sagrada dos ensinamentos, transplantada da Palestina para o coração do Brasil”.

                    O livro “Brasil, coração...” é tratado como uma obra espírita. Sendo assim não seria o caso da árvore ter sido transplantada da França para o Brasil ao invés de ter saído “da Palestina para o coração do Brasil?” Portanto, não é observada menção alguma ao Mestre Lionês e ao “Espírito de Verdade”.  Em se tratando especificamente da “direção do Senhor” e da “árvore sagrada dos ensinamentos” do Senhor, não seria conveniente e até imprescindível frisar a obra obtida, publicada e divulgada na França por Allan Kardec que é “O Evangelho Segundo o Espiritismo”?
                    Quando Jesus afirmou que enviaria “O Consolador” para relembrar tudo aquilo que ele dissera e exemplificara, sobre acrescentar outras lições, patenteia-se a sublime visão prospectiva do Divino Amigo, sabedor de que o tempo tenderia a diluir os registros de sua abençoada missão. Para os espíritas não há duvidar de que Allan Kardec, ao codificar a Doutrina dos Espíritos, missionariamente materializou o que Jesus prometera. Restou configurar, ademais, que a Codificação aportou na Terra de parelha com exemplar conduta de médiuns, absolutamente desinteressados de honrarias, agindo com humildade, seriedade, compromisso e amor à verdade.


    p.118 “O Rio de Janeiro…Grandes instituições se fundam na cidade da mais maravilhosa baía do mundo...”.

                    Sem dúvida, a baía da Guanabara constitui um local muito belo. Todavia, frisá-la como a “... mais maravilhosa baía do mundo...”, trata-se de observação extremamente subjetiva, ufanista e boba. Vale lembrar que segundo esse mesmo livro “Brasil, coração...”, promover “vaidades patrióticas” atrapalha o trabalho de implantação do Reino dos Céus na Terra (dificulta a geração de “um só rebanho para um só pastor, Jesus Cristo”).

    Capítulo 17 – Primórdios da Emancipação

                    Na página 125, há uma confissão que demonstra, mais uma vez, como o texto é contraditório. Trata-se de comentário sobre D. Maria I (historicamente conhecida como D. Maria I, “A Louca”), que foi chamada de “Piedosa” em capítulo anterior desse livro:

    p.125 “...Por muito tempo, contudo, esteve apegada às ilusões do seu trono, perseguida pelo vozerio das entidades desencarnadas em virtude de rigorosas sentenças de morte, por insinuação dos seus confessores e dos seus ministros”.

                    Ora, se ela, D. Maria I, era tão piedosa, como teria problemas conscienciais em função de “rigorosas sentenças de morte”? Nesse caso, melhor seria chamá-la de “Impiedosa”! E, a propósito, “...por insinuação dos seus confessores...”, significa que os padres, tão elogiados nesse livro, estavam ajudando a mandar matar?

    p.126 “exacerbados os antigos ódios entre brasileiros e portugueses, que já haviam levado Recife e Olinda à guerra fratricida...”.

    Antigos ódios entre brasileiros e portugueses? Mas e o ambiente de “fraternidade” que incluía até os negros escravos? Bom, fica a reflexão para os leitores, até porque o texto não explica muito suas postulações.


    Capítulo 18 – No limiar da Independência

                    p. 131 “É então que a personalidade espiritual daquele que fora Tiradentes procura o mensageiro de Jesus, solicitando-lhe o conselho esclarecido quanto à solução do problema da independência:
                    -- Anjo amigo – inquire ele – não será agora o instante decisivo para nossa atuação?”

                    Além de Tiradentes ter se tornado uma das maiores lideranças espirituais do Brasil, apesar de ter praticado no mesmo segundo milênio “nefandos crimes como inquisidor”, conforme o próprio texto de “Brasil, coração...” afirmou em capítulo anterior, ele parece resgatar, já no mundo espiritual (cujos esclarecimentos deveriam retirá-lo do mito, do místico e do mágico, levando-o a uma fé mais raciocinada e libertadora, conforme ensina Herculano Pires e todos os autores espíritas minimamente lúcidos!), a linguagem dos católicos fanáticos e menos esclarecidos.

    p.133 “As agitações, porém, se avolumam em movimento espantosos, empolgando a nação inteira. Debalde Portugal procurava reprimir a ideia da independência, que se firmara em todos os corações”.

                    A afirmação só passa a ser questionável se lembrarmos que, segundo o próprio texto, trata-se da “nação mais humilde do Europa” (p.20 “...A nação mais humilde da Europa”). Com tanta humildade assim, depois de mais de três séculos de “colonização de exploração”, seria de se esperar que aceitassem com um pouco mais de naturalidade o desejo de emancipação de um país muito maior, mais populoso e distante territorialmente.

    Capítulo 19 – A Independência
                    Nesse capítulo, novamente é reforçado que Tiradentes tornou-se um grande mentor do Brasil e, além disso, concomitantemente, um mentor de D. Pedro. Vejamos o que Ismael (p.139 “...que deixa irradiar a luz misericordiosa do seus coração...)”, fala para Tiradentes:

    p.139-140 “...Dirigindo-se ao Tiradentes, que se encontrava presente, rematou:
                    -- O nosso irmão, martirizado há alguns anos pela grande causa, acompanhará D. Pedro em seu regresso ao Rio e, ainda na terra generosa de São Paulo, auxiliará o seu coração no grito supremo da liberdade. Uniremos assim, mais uma vez, as duas grandes oficinas do progresso da pátria, para que sejam as registradoras do inesquecível acontecimento nos fastos da História. O grito da emancipação partiu das montanhas e deverá encontrar aqui o seu eco realizador. Agora, todos nós que aqui nos reunimos, no sagrado Colégio de Piratininga, elevemos a Deus o nosso coração em prece, pelo bem do Brasil.
                    Em primeiro lugar, em capítulo anterior, foi dito que a intelectualidade do Brasil era indiscutivelmente pertencente ao Rio de Janeiro, sendo que Minas e São Paulo gerariam uma espécie de “energia orgânica”. Agora o texto cai em contradição fazendo uma nova classificação e excluindo Minas (“...Uniremos assim, mais uma vez, as duas grandes oficinas do progresso da pátria, para que sejam as registradoras do inesquecível acontecimento nos fastos da História...”).
                   
                    Vejamos o antepenúltimo parágrafo do capítulo 19:

    p. 140. “...Tiradentes acompanhou o Príncipe nos seus dias faustosos, de volta ao Rio de Janeiro. Um correio providencial leva ao conhecimento de D. Pedro as novas imposições das cortes de Lisboa e ali mesmo, nas margens do Ipiranga, quando ninguém contava com essa última declaração sua, ele deixa escapar o grito de “Independência ou Morte!”, sem suspeitar de que era dócil instrumento de um emissário invisível, que velava pela grandeza da pátria”.

                    Primeiramente, há questionamentos históricos sobre como se deu o episódio clímax para a nossa independência. De qualquer maneira, admitindo-se que tenha sido conforme o texto assevera, se Dom Pedro “...deixa escapar o grito de “Independência ou Morte!”, sem suspeitar de que era dócil instrumento de um emissário invisível, que velava pela grandeza da pátria”, fica uma questão um tanto complexa: se Tiradentes já era um grande mentor (o que já foi questionado em nossos capítulos anteriores, mas é enfatizado em vários capítulos do livro “Brasil, coração...”) e estava recebendo orientações diretamente de Ismael, supostamente mentor do Brasil e enviado de nosso Mestre Jesus, como é que ele inspirou Dom Pedro a gritar “Independência ou Morte!”?!
                    Tal grito não denota um arroubo de raiva. Um mentor, guiado pelo suposto guia maior do Brasil, que, por sua vez, também supostamente, é guiado diretamente por Jesus, não teria que sugerir (lembrando que, segundo o texto, D. Pedro era um “...dócil instrumento...” para Tiradentes!) um grito como: “Independência e viva o povo brasileiro!” ou “Independência e liberdade para o povo brasileiro!” ou algo como o lema da “Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” ?! “Independência ou Morte” foi o grito inspirado de forma intensa e com grande “sintonia espiritual” por mentores tão nobres espiritualmente?
                    O texto, como o leitor pode perceber, é confuso, prolixo, cheio de problemas, sem apresentar nenhuma solidez doutrinária e qualquer contribuição a uma edificação da nossa fé raciocinada.

    Capítulo 20 – D. Pedro II
                    O capítulo 20 inicia-se na página 141 com a seguinte explicação:

    Pág. 141 “...Definitivamente proclamada a independência do Brasil, Ismael leva ao Divino Mestre o relato de todas as conquistas verificadas...”.


                    Fica evidente, mais uma vez, a suposta grande intimidade de Ismael com Jesus, pelo menos segundo o livro “Brasil, coração...”. Sem implicações, só raciocinando: seria preciso que alguém informasse a Jesus o que acontecia no Brasil?
                    Com relação a profusão de comentários reverenciosos a igreja católica e aos padres, que permeiam todo o livro, vale a sugestão de releitura da obra “Emmanuel” [Emmanuel, 1970], na qual o mentor espiritual, que foi um padre jesuíta (Padre Manoel da Nóbrega), critica duramente os padres e a igreja (vide, por exemplo, o capítulo 8 “Confissão Auricular”), dizendo-se tranquilo para fazer isso porque ele mesmo foi padre! Detalhe: a obra é de 1937, portanto, publicada aproximadamente na mesma época de “Brasil, coração...” (“Emmanuel” é de 1937 e “Brasil, coração...” é de 1938).
                    Ademais, nessa época da publicação de “Brasil, coração...”, um grande espírita brasileiro ainda estava encarnado. Seu nome: Cairbar Schutel. E Cairbar tem opinião muito diferente sobre a Igreja Católica, o que fica explícito nos seus livros. De fato, Cairbar era um duríssimo crítico da Igreja! Ou seja, não se trata de uma questão de contexto histórico, momento de evolução do pensamento religioso. Não é isso. De fato, naquele momento, já não era necessário tamanha exaltação católica em um livro espírita.
                    Alguns podem alegar que Cairbar tinha uma personalidade “mais combativa”, enquanto autor espírita, e que a missão de Chico contemplava outra abordagem. Se formos considerar tal hipótese, percebemos que ela não resiste quando fizermos uma comparação com a acima mencionada obra “Emmanuel”, que também é da mediunidade de Chico Xavier, pelo mentor espiritual propriamente dito de Chico Xavier e de todo o trabalho por intermédio da mediunidade xavierina. E que por sinal, prefacia a obra “Brasil, coração...”.
                    Não criticar a Igreja é uma coisa. Promovê-la exaustivamente é outra completamente diferente!
                    Na página 143, Longinus, centurião romano que participou da crucificação de Jesus afirma no texto:

    “...não pude entender ao pé da cruz dos vossos martírios no Calvário, em razão dos espinhos da vaidade e da impenitência, que sufocavam, naquele tempo, a minha alma...”

                    Longinus é escalado para uma importantíssima missão por Nosso Mestre Jesus de Nazaré:

    p.143-144 “...—Pois bem – redarguiu Jesus com grande piedade --, essa missão, se for bem cumprida por ti, constituirá a tua última romagem pelo planeta escuro da dor e do esquecimento. A tua tarefa será daquelas que requerem o máximo de renúncias e devotamentos. Serás imperador do Brasil, até que ele atinja a sua perfeita maioridade, como nação. Concentrarás o poder e a autoridade para beneficiar a todos os seus filhos...”

                    É estranho que Longinus, que, segundo o texto reencarnou como Dom Pedro II, fizesse sua “última romagem” reencarnatória na Terra como D. Pedro II. Ora, segundo Chico Xavier, Emmanuel estaria para reencarnar (ou, conforme alguns apregoam, já estaria reencarnado!); segundo Divaldo Franco, Joanna de Ângelis também estaria próxima de uma nova reencarnação na Terra; segundo Yvonne Pereira, em “Devassando o Invisível”, Victor Hugo reencarnaria no início do século XXI para liderar um grupo de artistas para uma espécie de “nova renascença” nas artes, incluindo Espíritos do nível de Chopin, entre outros. Sem desmerecer D. Pedro II, que parece ser um Espírito com méritos, temos que admitir que ele não deve ser superior a Emmanuel e Joanna de Ângelis. Se tantos Espíritos de altíssimo valor estão voltando para a vida física a fim de ajudar à melhoria da Terra, D. Pedro II estaria indo contribuir com mundos superiores?! Esquisito...
                    Jesus chama o planeta Terra, que desde sua criação ele governa, de “planeta escuro da dor e do esquecimento” É muito difícil aceitar tal frase na boca de mentores de nível relativo; na boca de Jesus, então, fica ainda mais complicado.
                    No texto Jesus diz: “Serás imperador do Brasil, até que ele atinja a sua perfeita maioridade, como nação”. Será que consideraríamos que o Brasil, já tenha atingido “a sua perfeita maioridade, como nação” em 2015? Provavelmente, não. A situação atual do país, demonstra que, em pleno ano de 2015, ainda estamos em busca de tal objetivo, mas ainda não logramos tal meta. Bom, se ainda não atingimos isso em pleno 2015, que dizer da situação do país no ano da Proclamação da República, 1889?! Importante reforçar que em 1889, o Brasil tinha acabado de abolir a escravidão e, um pouco antes, de vivenciar a Guerra do Paraguai, mas entrava em um período de terríveis revoluções e instabilidade política com a “República Velha” (também conhecida popularmente como “Republica das Oligarquias” ou “República do Café com leite”). Será que Jesus estaria equivocado?!

                    Subsequentemente (ainda na página 144), Jesus ainda recomenda para Longinus, futuro D. Pedro II:
    “...lembra-te da prudência e da fraternidade que deverá manter o país nas suas relações com as nacionalidades vizinhas”.

     É claro que D. Pedro II esqueceu disso, haja vista a triste participação do Brasil na “Guerra do Paraguai”, em que mulheres e crianças paraguaias foram dizimadas de forma bárbara. Cabe, novamente a questão: apesar dessa falha, D. Pedro II, desde o século XIX, vive em mundos superiores, sendo que grande mentores estão reencarnando para melhorar a Terra em pleno século XXI?

    Capítulo 21 – Fim do Primeiro Reinado
                   
                    O capítulo 21 apresenta uma frase totalmente isolada, independente e descontextualizada, que constitui mais uma das colocações questionáveis da obra:

    p.150 “A realidade é que Ismael triunfa sempre“.

                    Acreditávamos que Jesus é que triunfa sempre!
                    É incrível como significativa parcela do movimento espírita brasileiro parece que nem leu o livro, muito menos estudou, e divulga o mesmo como se fosse um livro com a mesma qualidade de “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec ou de vários outros da mediunidade xavierina. Muitos confrades gostam da “ideia-título” do livro, sendo ludibriados quanto ao conteúdo da obra e aceitando integralmente o texto sem lê-lo e muito menos estudá-lo. E passam a divulgar o livro, sem um critério doutrinário mínimo que consiste em “não dar divulgação para as obras que não foram efetivamente lidas, estudadas e aprovadas”. Nesse caso, trata-se de ingenuidade aceitar o livro pelo título. Vale lembrar o ditado popular: “Não se deve julgar o livro pela capa”. Poderíamos parafraseá-lo e asseverar: “Não se deve julgar o livro pelo título”.
                    E quanto aos que leram e gostaram?! Bom, temos várias pequenas explicações (que realmente não justificam tão atitude): excesso de patriotismo; destaque para o Espiritismo nacional, o que nos “contemplaria” e “promoveria”; amor “cego” a Chico Xavier; amor “cego” a Humberto de Campos, entre outros.
                    De qualquer maneira, vale lembrar o Evangelho de Jesus: “Toda planta que o Pai Celestial não plantou será retirada...”, mesmo que tenhamos que lutar ainda mais e por mais tempo para isso!
                    Após esta frase, também há uma estranha explicação referente à derrota brasileira na “Guerra da Cisplatina”:

    p.150 “Apesar das primeiras vitórias das armas brasileiras, a província cisplatina, que não era produto elaborado pela Pátria do Evangelho nem fruto de trabalho dos portugueses, se separava definitivamente do coração geográfico do mundo...”.
                   
                    Será que os uruguaios não poderiam ser, eventualmente, “evangelizados” pela “Pátria do Evangelho”? E, além disso, muito depois da Guerra da Cisplatina, o Brasil foi extremamente enriquecido culturalmente por muitos imigrantes de países mais distantes e de tradições muito diferentes, com línguas mais diferenciadas e com muito mais dificuldade de interação e assimilação culturais em comparação com a eventual interação entre brasileiros e uruguaios.

    Capítulo 22 – Bezerra de Menezes
                    Chegamos ao famigerado capítulo 22, no qual J. B. Roustaing é citado. Analisemos o texto que comenta sobre os missionários auxiliares de Kardec:
    p.156 “Segundo os planos de trabalho do mundo invisível, o grande missionário, no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares de sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de João Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de León Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científica, e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos, desenhando as maravilhas das paisagens celestes, cooperando assim na Codificação kardequiana no Velho Mundo e dilatando-a com os necessários complementos” .

                    Antes de qualquer comentário, é preciso deixar claro que, muito antes de chegarmos ao capítulo mais citado negativamente da obra, devido, obviamente, a essa menção sobre Roustaing, está evidente para qualquer espírita minimamente informado e coerente doutrinariamente que a obra “Brasil, coração...” tem uma série de problemas de forma e conteúdo. Extremamente anti-doutrinária, “católica”, confusa, cai em contradição por diversas vezes, comete vários equívocos históricos e, em muitos tópicos em que não está claramente equivocada, elabora discussões no mínimo questionáveis. Essa (obra) é “Brasil, coração...”.
                    A obra tem tantos problemas que afirmar que se trata de “obra polêmica” do ponto de vista doutrinário, como de forma simplista muitas vezes a mesma é considerada, consiste em fornecer a esse livro o benefício de um status que muito provavelmente não mereça. O pior é admiti-la, como frequentemente alguns fazem, como obra imprescindível à “formação doutrinária” do espírita!
                    Ao chegarmos ao capítulo 22, fica evidente que grande parte das discussões e polêmicas que giram em torno do livro “Brasil, coração...” minimizam os problemas do livro. No movimento espírita, aqueles que defendem “Brasil, coração....”, basicamente defendem a “ideia-título”, e sempre levam a discussão para a importância do Brasil no cenário mundial em termos espirituais, fundamentalmente pelo fato do Brasil ter “abrigado” o Espiritismo. Por outro lado, os que criticam a obra, na maioria dos casos, referem-se ao capítulo 22 e a menção a J. B. Roustaing como “missionário da fé”.
                    A nosso ver, o livro é fraquíssimo e seus erros extrapolam, e muito, o problema da citação de Roustaing. E, que fique claro, isso não tem nada a ver com a “ideia-título” exarada na capa da obra. Antes de qualquer debate sobre o assunto, é importante para todos os espíritas, que estejam sinceramente predispostos à busca da Verdade através do esclarecimento doutrinário, que deixem enfaticamente evidente para os interessados o que será discutido em todo e qualquer tipo de estudo que direta ou indiretamente aborde o livro “Brasil, coração...”: a ideia inserta APENAS no título, ou seja, basicamente o papel do Brasil no avanço do nível de Espiritualidade mundial ou TODO O LIVRO DENOMINADO “BRASIL, CORAÇÃO DO MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO”, COM TODOS OS SEUS 30 CAPÍTULOS?
                    Aliás, muitos que fazem essa confusão, nem leram o livro ou têm outros interesses motivando seus pontos de vista.
                    Luciano Costa, em sua obra “Kardec e não Roustaing”, afirma logo no início que “o corpo fluídico era a isca” que Roustaing e/ou os Espíritos mistificadores que trouxeram “Os Quatro Evangelhos” utilizavam para seduzir os incautos. Luciano Costa explica que a obra de Roustaing era uma mistificação tão óbvia, com problemas tão numerosos, graves e evidentes, que a proposta do famigerado corpo fluídico de Jesus não era nem o maior e muito menos o único problema doutrinário do texto. E, apesar disso, é muito usual perceber que, mesmo nos dias atuais, a menção ao nome Roustaing ainda gera discussões restritas única e exclusivamente à questão sobre a natureza do corpo de Jesus de Nazaré. No que se refere ao livro “Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho”, temos que ressaltar que a “isca”, nesse caso, é a confusão entre a “ideia-título” e o conteúdo de todos os 30 capítulos do respectivo livro!  São duas discussões completamente diferentes, as quais vêm sendo, propositadamente ou não, confundidas sistematicamente. Seria algo semelhante a um indivíduo, tido como espírita, defender a ideia-título de “O Livros dos Espíritos” e, por isso, se sentir desobrigado de ler e estudar o conteúdo da obra. Com a diferença que a qualidade do conteúdo da obra “O Livro dos Espíritos” corresponde à síntese da Codificação, ou seja, da Terceira Revelação prometida por Jesus.
                    A ideia básica do título “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho” é bastante razoável e passível de ser estudada, discutida e analisada em termos de implicações dentro do contexto das responsabilidades do espírita atuante. Já o conteúdo do texto não é nada razoável, pelo menos se o livro for considerado um livro espírita, e, o que é mais grave, livro altamente relevante para a formação doutrinária dos espíritas em geral, conforme alguns asseveram.
                    Feito esse esclarecimento, e admitindo, aprioristicamente, que o texto corresponde, realmente, aos originais que foram submetidos à publicação pelo médium Francisco Cândido Xavier, temos que esclarecer em que consiste uma “missão espiritual na Terra” e o papel de um suposto “missionário”.  Para isso, recorramos à mensagem do livro “Obras Póstumas” denominada “Meu Sucessor”, na qual Kardec pergunta se um suposto sucessor já estava sendo preparado, para a eventualidade dele, Allan Kardec, não poder continuar a obra (afinal, ele sabia estar muito doente e estava consciente de que provavelmente não tinha muito tempo de vida física. O Codificador estava, por conseguinte, preocupado com o desenvolvimento do movimento espírita após sua desencarnação ou impossibilidade física em virtude de uma possível ocorrência patológica mais grave).
                    A resposta estabeleceu que “sim e não”. Sim, havia alguém previamente designado e que estava sendo lenta, gradual e criteriosamente preparado, mas, segundo a orientação espiritual recebida pelo Codificador, não necessariamente ele desenvolveria a função, uma vez que qualquer missionário pode refugar de quaisquer tarefas, em função de seu livre-arbítrio e das dificuldades inerentes ao processo reencarnatório (tais como a influência da matéria, o esquecimento do passado, as influências espirituais negativas, a perda de foco em função de grande número de áreas de interesse e habilidades previamente conquistadas etc.).
                    Portanto, ser “missionário” ou “ter uma missão” não quer dizer, de maneira alguma, que a missão será completada, e nem sequer iniciada! Vários capítulos da obra de André Luiz “Os Mensageiros” [Luiz, 2003] bem como da obra de Manoel Philomeno de Miranda “Tormentos da Obsessão” [Miranda, 2001] dão exemplos de vários médiuns e doutrinadores espíritas fracassados. Aliás, ser “missionário”, a rigor, é ter uma tarefa, o que todos, sem exceção, possuem. É claro que em se tratando da referência a Roustaing, no capítulo 22 de “Brasil, coração...”, o advogado de Bordeaux é mencionado ao lado de verdadeiros missionários, o que, admitindo a legitimidade do texto, em princípio, não deixaria margem para dúvidas de que realmente ele tinha tal missão.
                    Entretanto, indiscutivelmente, a missão de Roustaing é a mais ambígua, confusa e contraditória em relação a diversos fatores (destacamos três deles): 1) em relação ao texto propriamente dito exarado em “Brasil, coração...”; 2) com respeito à obra escrita deixada pelos respectivos missionários e; 3) no que se refere também ao que realmente foi feito no Movimento Espírita da época, em termos de atuação por parte dos referidos desenvolvedores da obra de Kardec.
                    Vejamos, primeiramente, em relação ao texto de “Brasil, coração...”: o que seria a missão da “organização do trabalho da fé”, pura e simplesmente, sem nenhuma explicação adicional? O texto é vago, estranho...afinal, a Doutrina Espírita é a Doutrina da “Fé Raciocinada”, da libertação das consciências pela aquisição do entendimento das Leis da Vida. Assim sendo, a missão de Denis, focada em desdobramentos filosóficos é uma missão de aprofundamento da “Fé Raciocinada”; assim como a missão de Delanne, buscando evidências científicas da imortalidade da alma através do estudo do fenômeno mediúnico, é uma missão de aprofundamento da “Fé Raciocinada”; assim como a missão de Flammarion, discutindo as questões relacionadas à “Pluralidade dos Mundos Habitados”, também fortalece a “Fé Raciocinada”, concernente a um dos princípios básicos do Espiritismo. E Roustaing? Nada! Simplesmente a missão da “organização do trabalho da fé”! Da forma como está colocado, o texto, além de ser, ironicamente, um comentário que remete, mais uma vez, ao jargão católico, sugere, indiretamente, uma espécie de “fé cega”.
                    Poder-se-ia alegar que a “fé” representaria o aspecto religioso do Espiritismo, no que se refere à interpretação do Evangelho de Jesus, referência moral maior de toda a humanidade, conforme Questão 625 de “O Livro dos Espíritos” (LE). A título de estudo, dispomo-nos a admitir tal argumentação. Vejamos, o aspecto religioso da Doutrina Espírita é representado fundamentalmente pela obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo” (ESE), publicado em primeira edição em 1864 e com desdobramentos na obra “O Céu e o Inferno”, cuja primeira edição é de 1865, anos nos quais, concomitantemente, Roustaing e sua médium Emilie Collignon, de forma totalmente independente do Movimento Espírita, já elaboravam a obra  propagada como “Revelação da Revelação”! Porém, as obras são totalmente antagônicas, envolvendo, supostamente, pelo menos um Grande Espírito em comum, que seria João Evangelista, que ensina vários conceitos completamente distintos nas referidas obras.
                    E sobre o terceiro tópico, que diz respeito ao que realmente foi feito no Movimento Espírita da época, em termos de atuação por parte dos referidos desenvolvedores da obra de Kardec, é lamentável constatar que Roustaing não fez nada! Para quem, supostamente, tinha a missão de “organizar o trabalho da fé”, além de “cega”, teria que ser “preguiçosa”, pois foi totalmente “sem obras” dentro do Movimento Espirita, no qual Roustaing jamais permitiu-se integrar de forma efetiva. Denis, Delanne e Flammarion, com destaque especial para os dois primeiros, foram atuantes no Movimento Espírita, que foi rejeitado por Roustaing .“Organizar o trabalho da fé” equivaleria, apenas, a publicar o seu único livro?!  Vale lembrar da carta do Apóstolo Tiago (capítulo 2, versículos de 17 a 19): “Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: "Você tem fé; eu tenho obras". Mostre-me a sua fé sem obras, e eu mostrarei a minha fé pelas obras. Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem - e tremem!”.
                    Vale registrar que Humberto de Campos, na obra “Crônicas de Além-Túmulo” (capítulo 21 denominado “O Grande Missionário”), que é anterior a “Brasil, coração...” (foi publicado em primeira edição em 1937), são citados como colaboradores de Allan Kardec os missionários Camille Flammarion, Léon Denis e Gabriel Delanne, sem nenhuma menção a Roustaing [Campos, 1998].
                    Para que tal tópico fique elucidado com bastante clareza, estamos transcrevendo um comentário do lúcido professor Herculano Pires em seu livro, publicado postumamente, denominado “A Evolução Espiritual do homem – na perspectiva da Doutrina Espírita” (capítulo primeiro – “O Homem no Mundo como Ser na Existência”, quarto parágrafo) [Pires, 2002]:

                    “O religiosismo popular, na França como em toda parte, foi abalado pela resistência e a insistência de Kardec, absorvendo os seus princípios básicos. Foi então que ele se entregou a elaboração secreta de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” proporcionando ao povo os esclarecimentos espíritas. Nesse livro ele amparava e estimulava a religião do povo, mas sustentando essa religiosidade em termos racionais. Apoiava-se então no princípio doutrinário da Lei de Adoração – Lei universal que só ele descobriu e explicou, - reativando a religião nos corações abalados. Ainda hoje há espíritas, não raro ocupando posições de direção em instituições doutrinárias, que não compreendem a necessidade e o valor desse livro orientador da intuição religiosa popular. Não compreendem que o aspecto religioso do Espiritismo constitui a base inabalável do movimento espírita no mundo. Outros chegam a criticar Kardec por essa capitulação, e outros, mais ingênuos, chegam ao cúmulo de alegar que essa tarefa cabia a Roustaing, o infeliz fascinado de Bordeaux que lançou a obra de evidente mistificação “Os Quatro Evangelhos”, em que os evangelistas se contradizem a si mesmos e tentam forçar um retrocesso católico do religiosismo popular. A tese espúria, levantada pela Federação Espírita Brasileira, de que Roustaing estava incumbido do problema da fé é simplesmente alucinante. O pobre fascinado não foi discípulo de Kardec, jamais militou ao seu lado e teve sua obra rejeitada pelo mestre. A fé de Roustaing não podia entrosar-se na obra de Kardec, pois era a fé católica medieval, enquanto a fé espírita, definida por Kardec como fé racional, não precisava de nenhum assessor místico e fanático para se implantar na consciência dos novos tempos. O Espiritismo rejeita toda mitologia de ontem, de hoje e de amanhã. Sua função é de transformar os erros em verdades, como se lê em Kardec, e não em remendar as mitologias antigas com novos ridículos mitos, como Roustaing tentou fazer em sua obra mistificadora, em que a obra kardeciana é deformada por um trabalho de plágio vergonhoso e de remendos adulteradores que denunciam a debilidade mental do autor. Por sinal que este mesmo declara, na introdução de sua obra, que a obteve mediunicamente (por uma médium, que foi a primeira a rejeitar a mistificação) após haver saído de um internamento em hospital de doentes mentais” (Herculano Pires) (grifos nossos).
                   
                    Jesus disse: “seja o seu dizer: sim, sim; não, não”!
                    Cabe a cada espírita, portanto, escolher e pregar com critério e responsabilidade, tendo a certeza de que se enganarmos a nossos irmãos, principalmente motivados por razões escusas, “colheremos” as consequências.

    Capítulo 23 – A obra de Ismael
                                   Considerando que toda a obra “Brasil, coração...” já contempla, em todo o seu conteúdo, inumeráveis comentários elogiosos ao Espírito denominado Ismael, destacando a atuação desse Espírito em toda a história espiritual do Brasil, consideramos que a escolha do título do capítulo não foi muito feliz. Afinal, a obra de Ismael, pelo menos de acordo com a obra “Brasil, coração...”, já estaria sendo desenvolvida desde antes do descobrimento do Brasil.
                    Esse redundante destaque também apresenta um problema maior, afinal, a obra, em última análise, é de “Jesus”. Portanto, mesmo admitindo que não seja de forma proposital, o texto acaba reforçando um “culto à personalidade de Ismael”, ou seja, um excessivo destaque a Ismael, o que é questionável do ponto de vista evangélico-doutrinário.  Vejamos:

    p.164 “...para levantarem bem alto a bandeira de Ismael, como manancial de luz para todos os Espíritos e de conforto para todos os corações”.

                    E no parágrafo seguinte, na mesma página:

    p.164 “...Os mensageiros de Ismael, triunfando da discórdia que destruía o grande núcleo nascente...”.

                    Podemos lembrar a contundente passagem do Mestre Nazareno registrada no Evangelho de Lucas: “Assim também vós, quando tiverdes cumprido todas as ordens, dizei: Somos simples servos, fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lucas 17.10).
                    Ademais, o título do capítulo 23 acaba levantando novamente a questão: Ismael é o mentor do Brasil, do movimento espírita brasileiro, de uma ou mais instituições espíritas específicas ou é o mentor espiritual de tudo isso ao mesmo tempo? Vale registrar que o nome de “Allan Kardec” é citado uma única vez em todo o capítulo (no final do quarto parágrafo do referido capítulo (p.162), e três vezes em todo o livro, sem maiores destaques, o que seria de se esperar (as adjetivações) considerando o uso corriqueiro de muitos elogios a vários Espíritos, sobretudo a Ismael, em todo o texto de “Brasil, coração...”.
                    De fato, na página 161, o lema “Deus, Cristo e Caridade” aparece mais uma vez, o que vai ocorrer novamente na página 164, através de citação à “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”, sob a direção esclarecida de Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, grande discípulo do emissário de Jesus...”.
                    O capítulo 23 remonta, portanto, aos primórdios do movimento espírita brasileiro, inclusive citando no quinto parágrafo “...o primeiro periódico espírita brasileiro – “O Eco de Além-Túmulo” (p.163). Sabemos, de fato, que vários espíritas nobres lutaram muito para implantar o Espiritismo no Brasil, em uma época extremamente difícil e de grande preconceito contra o Espiritismo. Mas acreditamos que tal luta não foi bem relatada no referido capítulo. Realmente, tal capítulo destaca praticamente apenas os espíritas assim como a história associada à fundação da “Federação Espírita Brasileira”, citada nominalmente no final do último parágrafo do capítulo. É inegável a contribuição da referida instituição no movimento espírita brasileiro no passado e no presente, mas a lembrança de pioneiros associados a outras instituições e localidades do movimento espírita brasileiro seria mais justa e mais coerente com um livro que se propõe a narrar a história espiritual de todo o Brasil.
                    Além disso, a discussão acima enfatiza, uma vez mais, a dificuldade em definir o papel de Ismael, em termos de atribuições espirituais.
                    O Capítulo 23, “A obra de Ismael”, também apresenta um problema adicional, que consiste no fato de parecer estar descontextualizado no tempo. Muitos fatos narrados parecem “quebrar” a sequência narrativa do livro, ou seja, não estão condizentes com a sequência cronológica da história do Brasil e nem com o ritmo de narrativa imprimido desde o início do livro. Portanto, parece ter havido um esforço para que tal capítulo se encaixasse dentro da sequência narrativa, pois o mesmo quebra radicalmente a sequência do livro. É claro que se trata de um problema de forma e não de conteúdo, mas é algo estranho.  Essa constatação ficará mais clara a partir do estudo do capítulo subsequente (Capítulo 24, “A regência e o segundo reinado”), pois teremos que “voltar no tempo” muitas décadas em relação ao momento histórico que havíamos chegado no final do referido capítulo 23. Vejamos:

    p.165. “Em 1883, Augusto Elias da Silva, na sua posição humilde, lançava o “Reformador”, coadjuvado por alguns companheiros...”

                    E, subsequentemente:

    p.165 “ – Chamem agora Bezerra de Menezes ao seu apostolado!”

                    Fica evidente, por conseguinte, que chegamos às duas décadas finais do século XIX, nas quais Doutor Bezerra de Menezes terá uma atuação destacada no Movimento Espírita Brasileiro até sua desencarnação, por acidente vascular cerebral (AVC) em 11 de abril de 1900. No entanto, teremos que voltar muitas décadas no tempo...



    CONTINUA NA PARTE IV (PARTE FINAL)...