“Trabalho,
solidariedade e tolerância.”
Allan Kardec
Há pessoas que invocam a lapidar
divisa de Kardec, na parte referente à tolerância, aplicando essa virtude no
campo das publicações de livros que estão sendo editados sem o menor critério,
tanto no que se refere ao conteúdo, quanto à forma.
É evidente que a recomendação do
Codificador se aplica ao relacionamento entre as pessoas. Nesse sentido, há
inúmeras páginas de benfeitores espirituais a recomendarem o exercício
constante dessa virtude no relacionamento pessoal. Tolerância para com pessoas,
não para com suas obras. Sobre estas, Kardec sempre exercitou o mais severo
critério, recomendando se fizesse o mesmo, antes de se divulgar algo em nome do
Espiritismo.
Será que em nome da tolerância deve-se
publicar tudo o que vem por via mediúnica, seja uma simples mensagem ou um
livro, a fim de não se melindrar o médium? Se não há oportunidade de análise,
onde situar a célebre recomendação do Espírito Erasto, contida em “O Livro dos
Médiuns” (230)?: “Melhor é repelir dez
verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.”?
E como aplicar o que Kardec recomenda no mesmo livro (266)?: “Em se
submetendo todas as comunicações a um exame
escrupuloso, em se lhes perscrutando e analisando o pensamento e as expressões, como é de uso fazer-se quando se trata de julgar uma obra literária,
rejeitando-se, sem hesitação, tudo
o que peque contra a lógica e o bom-senso,
tudo o que desminta o caráter do Espírito que se supõe ser o que se está
manifestando, leva-se o desânimo aos Espíritos mentirosos, que acabam por se retirar, uma vez fiquem bem convencidos de que
não lograrão iludir. Repetimos:
este meio é único, mas é infalível, porque não há comunicação má que resista a
uma crítica rigorosa. Os bons espíritos nunca se ofendem com esta, pois
que eles próprios a aconselham e porque nada têm que temer do exame. Apenas os
maus se formalizam e procuram evitá-lo, porque
tudo têm a perder. Só com isso provam
o que são.”
Continuando, o Codificador cita recomendação
do Espírito São Luiz:
"Qualquer que seja a confiança legítima que vos inspirem os Espíritos que
presidem aos vossos trabalhos, uma recomendação há que nunca será demais repetir e que deveríeis ter presente sempre na vossa lembrança,
quando vos entregais aos vossos
estudos: é a de pesar e meditar, é a de submeter ao cadinho da razão
mais severa todas as comunicações que receberdes; é a de não deixardes de pedir
as explicações necessárias a formardes opinião segura, desde que um ponto vos
pareça suspeito, duvidoso ou obscuro.”
Diante de tal concepção equivocada da
tolerância, onde se situaria a recomendação de Jesus: “Seja, porém, o vosso falar:
Sim, sim; Não, não; porque o que passa disso é de procedência maligna.” (Mt,
5:37)? Com Jesus aprende-se a clareza, a transparência, o amor à Verdade nas
manifestações pessoais. E com Kardec aprende-se a refutar comunicações não
condizentes com a estrutura doutrinária do Espiritismo.
Ser tolerante será que é dar a público tudo
o que se produz mediunicamente, sem nenhuma avaliação, sem nenhum critério? E
onde ficaria a recomendação de Paulo, a maior autoridade em assuntos mediúnicos
dos tempos apostólicos: “E falem dois ou três profetas, e os outros
julguem.” (I Co, 14: 29)? Estaria
o Apóstolo faltando com a tolerância? Além do mais, é de se notar que essa
passagem está num trecho que o tradutor, João Ferreira de Almeida, entendendo o
alcance da recomendação, intitulou: “A
necessidade de ordem no culto”.
Entretanto, aqueles que zelam pela
coerência, pelo nível de linguagem, pela manutenção da nobreza e da dignidade
do discurso espírita são, não raro, tachados de intolerantes, e, por alguns
articulistas e médiuns atuais, até de descaridosos e de inquisidores.
A verdade é que há uma ânsia infrene de
se publicar tudo o que se recebe – ou se supõe tenha sido recebido
mediunicamente –, sem uma análise criteriosa de conteúdo e de forma.
Mas, quem analisaria o conteúdo e a
forma dos escritos? Seria, por certo, uma equipe formada por pessoas
equilibradas, conhecedoras da Doutrina, sabedoras da importância da sua atuação
junto ao médium. Seriam pessoas serenas, cônscias da gravidade do papel
assumido perante o Alto, pois se tornariam também responsáveis pela obra, e
que, por isso mesmo, analisariam os textos, parágrafo a parágrafo, à luz da
prece, quando obteriam de Jesus o amparo, no sentido de aumentar-lhes a
lucidez, a serenidade e o equilíbrio. Nesse círculo, constituído por
trabalhadores de alta responsabilidade, é que deve ser exercitada a tolerância
entre seus componentes, mas nunca em relação à matéria em exame.
José Passini
jose.passini@gmail.com
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