segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Estudando “Nosso Lar”



Como em outras obras, esse Espírito fascinador, que se intitula Dr. Inácio Ferreira, continua, pelo médium Carlos Antônio Baccelli, a sua faina de atacar os espíritas sérios, de ridicularizar o Espiritismo, tentando diminuir-lhe o valor, através de diálogos corriqueiros, chulos, impróprios para comentários em círculos de algum refinamento espiritual. Agora, depois de tentar minimizar a figura de Chico Xavier através da obra “Chico Xavier Responde”, tenta minimizar sua obra de maior impacto: “Nosso Lar”, numa demonstração de flagrante oportunismo, diante da divulgação que se fez em torno dos nomes do médium Chico Xavier e do livro “Nosso Lar”.
Quem lê o título da obra imagina que terá em mão um estudo sério, do ponto de vista espiritual, sociológico, esperando um detalhamento mais avançado de como se desenvolvem as atividades lá.
Como se sabe, “Nosso Lar” é uma comunidade formada por Espíritos desencarnados, onde intensas atividades de socorro, de educação espiritual e de preparação de novas encarnações são levadas a efeito. Mas, a decepção do leitor se acentua à medida que lê, tomando conhecimento dos diálogos pueris, vazados no mesmo linguajar rasteiro, incompatível com a seriedade e dignidade da doutrina
Espírita, conforme suas obras anteriores.
Colocaremos as palavras do livro em negrito e os nossos comentários em tipo normal. Logo no início, o Dr. Inácio transcreve um diálogo em que seus interlocutores o bajulam, e ele, como sempre, não perde a oportunidade de vangloriar-se:
 – Talvez pela linguagem utilizada, o meu jeito espontâneo de ser – não consigo ser o Inácio que muitos querem que eu seja!
– Não é só pela linguagem, não! – observou a confreira – O problema é que o senhor é direto no que diz: não efetua rodeios com a palavra. (20)
Uma afirmativa atribuída a André Luiz: “Não adestrara órgãos para a vida nova”, é usada em conversa própria de mesa de bar, entre Manoel Roberto e Domingas, que diz: “Tenho que me controlar para não atacar as panelas... da Terra! Não fosse o relativo esclarecimento que possuo, estaria vampirizando os inveterados comedores de carne apimentada!
Após breve intervalo, Manoel Roberto testemunhou:
– Confesso que, de minha parte, não adestrei órgãos sexuais... Não preciso dizer mais. Ou preciso? (21)  
O Dr. Inácio não esclarece como funciona esse correio do Mundo Espiritual, que lhe leva cartas da Terra e as coloca sobre sua mesa...
... vasculhando papéis sobre a mesa, me deparei com a carta que uma irmã me endereçara da Terra.
– Dr. Inácio, – escrevera ela –, fico encantado (sic) com o seu amor aos animais... (95)
A partir daí, Dr. Inácio usa cinco páginas do livro em que pretende estudar “Nosso Lar”, para discorrer de maneira descompromissada com a seriedade esperada numa obra espírita, sobre gatos e reencarnação, terminando com essa afirmativa irresponsável, capaz de confundir qualquer neófito que  esteja interessando em informar-se sobre evolução espiritual, quando afirma que o espírito que estagia num gato pode passar diretamente a animar um corpo humano:
Assim como Sônia (uma gata que foi dele quando encarnado) pode estar numa dessas morenas que desfilam na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, o seu Lênis – quem sabe? – pode estar num desses recém-nascidos ainda sem nome, à espera de seus braços, que, como os meus, também se frustraram para a bênção da maternidade nesta vida. Eu tenho plena convicção de que você se derreterá toda, ao ouvir uma dessas crianças chamá-la de mamãe ou de vovó! (100)
Só no capítulo 13, já na página 108 do livro, é que se forma um grupo para estudar “Nosso Lar”. Até aqui, diálogos banais, entremeados de auto-elogios ou de bravatas do Dr. Inácio:
– O senhor , então, vai continuar escrevendo? – indagou por último.
– Eu não sou homem de me intimidar, meu caro. Passar bem! (107)
É importante que se atente aos diálogos estabelecidos entre Dr. Inácio, Dr. Odilon, Domingas e Manoel Roberto. Todos estão no mesmo plano espiritual e tecem comentários sobre as sensações dos espíritos no Mundo Espiritual, como se lá não estivessem, todos, inclusive os 150 participantes do painel, sujeitos às mesmas condições:
– Um pouco mais adiante – frisei –, neste segundo capítulo, no sexto parágrafo, André Luiz considera textualmente: “Persistiam as necessidades fisiológicas sem alteração.”
O auditório estava em suspenso. (115) Será que não tinham noção da própria condição de espíritos desencarnados? Precisariam estudar isso num seminário? A obra em análise não se destina ao estudo de “Nosso Lar”? O “estudo” prossegue como se fosse uma conversa informal entre desocupados... Será que os 150 participantes estariam ali para ouvir um “bate-papo” descontraído?
Observe-se essa afirmação atribuída ao Dr. Odilon que, segundo Dr. Inácio, é um orientador, distorcendo atemorizadoramente a lei de causa e efeito:
– Conheci uma pessoa que tinha vaidade do timbre da própria voz... Coitado, com toda certeza, se já não aconteceu, irá renascer mudo ou com uma voz igual à minha: mais rouquenha, impossível!  (130)
A seguir, completamente fora de contexto, talvez para encher páginas do livro, transcreve a carta atribuída ao Senador Públio Lêntulos, terminando o capítulo com esta justificativa da saída do assunto:                                                                                         
– Vocês estão vendo como a gente vai longe, quando se dispõe a estudar qualquer tema da Vida à luz da Doutrina, que é Fé Raciocinada? (132) 
Prosseguindo, gasta páginas com brincadeiras, malbaratando o tempo de quem comprou um livro na busca de esclarecimento, pois apesar de ter a obra o título Estudando “Nosso Lar”, no capítulo que toca a questão do vestuário dos desencarnados, nada acrescenta de elucidativo. Só brincadeiras e auto-elogio:
– Olhe, Doutor, em sua companhia, eu ficaria até duzentos (anos no Umbral); todavia, sem o senhor, nem um só dia! (139)
Nos capítulos seguintes, prossegue num relato de conversação banal, entremeado de citações de trechos de “Nosso Lar”, sem, entretanto, tecer comentários conducentes a maior compreensão do livro.
Anuncia uma ida à Fundação Emmanuel a fim de tratar de assunto muito sério, mas o que fazem, ele e o seu grupo, acompanhados do Diretor da Fundação, é vir à Crosta visitar uma instituição espírita. Adiante, comenta e existência de cães e cavalos, referidos por André Luiz, não resistindo à tentação de fazer seus comentários:
– Cavalos e cães que, além de comer, fazem sexo...
– Eu sabia que o senhor chegaria aí! – comentou Domingas. (254)
A seguir, volta a bater na tecla da reencarnação no Mundo Espiritual:
– O que vocês diriam se aqui, no Mundo Espiritual, os homens pudessem se relacionar sexualmente, como se relacionam, sem função reprodutora?
Virando-me na direção de Rodrigo, interroguei:
– Você sabe de algum de seus colegas, ou você mesmo, que não faça sexo por aqui?
– Não, Doutor, não me peça nomes. Mas não sei de ninguém – descontraiu-se o inteligente rapaz, levando os colegas a sorrir. (255)
A seguir, comenta o fato de haver pomares em “Nosso Lar”, concluindo que se há reprodução vegetal, há também a humana, esquecido de que os frutos de uma árvore não constituem uma individualidade:
– Isso é uma aula de botânica! Brincou Domingas.
– Muitos dirão que é pornografia... Uma banana para eles, de preferência verde! (256)
O mesmo erro de interpretação o Dr. Inácio comete quando comenta a existência do íbis, aquela ave semelhante ao urubu. Sabe-se que essas aves, como cães e cavalos, se manifestam no Mundo Espiritual com seus perispíritos, conforme se dá com os homens, mas também aí o Dr. Inácio semeia confusão:
– Todavia, minha cara, a espécie mencionada por André Luiz, íbis viajor, como disse, é nativa do Mundo Espiritual, posto que em nenhuma das espécies, com que essa ave pernalta se parece na Terra, revela as mesmas características, ou seja: “devorarem as formas mentais, odiosas e perversas, entrando em luta franca com as trevas umbralinas”... (258/259)
Sempre fugindo de fazer comentários sobre “Nosso Lar”, como proposto no título da obra, Dr. Inácio transcreve o seguinte diálogo, com o jovem Rodrigo, a respeito de banho:
– Aqui tomo mais banho do que tomava lá embaixo, quando, tantas vezes, chegando suado do futebol!...
– Eu não sabia que estávamos conversando com um goleador!
– Goleiro, Doutor – eu era goleiro! Minha mãe tinha que brigar comigo para que eu não dormisse sem banho...
– E chuteira fede!
– Tênis fede mais! Eu era goleiro de futebol de salão...
– Então, sua mãe, Rodrigo, é uma santa: aquele chulé dentro de casa, à noite... (262)
E o diálogo humorístico continua:
– Viu, meu filho, como sou portador de doença contagiosa?
– Quem me dera possuir, pelo menos, a metade das doenças do senhor!
– Pronto! Agora está me puxando o saco... E o pior, não, o melhor é que espírito também tem isso...
(Literalmente, abrindo um parêntese, deixem-me aqui apreciar a cara dos ortodoxos que, com certeza, estarão exclamando, quase a espumar pela boca: Blasfêmia! Pornografia! Mistificação! Espírito chulo! Anátema! Para a fogueira! Sabe qual a minha resposta: ah, ah, ah, ah!...) (264)
Conforme já foi dito, o livro é constituído de diálogos banais, de brincadeiras e de referências desairosas a espíritas e ao Movimento Espírita, quando não é um discurso louvaminheiro ao Dr. Inácio:
– O pessoal o estima muito, Doutor – ponderou Domingas. – Para cada um que lhe torce o nariz, o senhor tem mil que lhe sorriem!
– Eu não mereço, não...
– Merece, sim!
– O nariz torcido?
– O senhor está se referindo é a ele?
– Pensou que fosse ao quê, Domingas?
– Esse Inácio! Deus o fez e quebrou a forma – suspirou Modesta.
– Quebrou de arrependimento! E o pior é que me fez imortal: agora tem que me aguentar pela Eternidade!... (268/269)
Algo difícil de ser entendido é o fato de Espíritos – habitantes do Mundo Espiritual – reunirem-se, num seminário, para receber esclarecimentos básicos de fatos que vivenciam habitualmente, como alimentação, higiene, uso de vestuário, etc.
Inicialmente, o grupo era de 150, mas cresceu:
– Domingas, vocês estão me enganando... Aqui tem mais de 453 pessoas! (271)
Nesse capítulo, anunciou que iria falar sobre a água em “Nosso Lar”, mas apenas teceu comentários filosóficos e bíblicos, terminando assim:
– Então, podemos concluir que, na verdade, a desencarnação é fenômeno de desidratação! (273)
Nos capítulos seguintes, nada de estudo sobre “Nosso Lar”. O Dr. Inácio recebe em seu consultório, como se fosse na Terra, clientes agendados. Sua mesa, em desordem, encontrava-se abarrotada de cartas chegadas da Terra, às quais ele deveria responder. Só não explicou como elas chegaram nem como seguiriam as respectivas respostas...
Continuando, relata conversas sem nenhuma ligação com o título do livro, citando trechos da obra de André Luiz, mas sem qualquer elucidação séria. Comentando a entrevista que André Luiz teve com Clarêncio – que daria ensejo a sérias reflexões – não perde a oportunidade de fazer humorismo de mau gosto, depois de citar a postura do Ministro, em vez de citar seu ensinamento: – Clarêncio, contudo, levantou-se sereno e falou sem afetação”...
– O que o senhor enxergou nesta frase? Ela não tem nada! – objetou a senhora de inteligência vivaz.
Olhando de um lado para outro, novamente vigiando os movimentos de Odilon, elucidei:
– Com o perdão da palavra, eu enxerguei as nádegas...
– As nádegas?! – quase que perguntaram em coro.
– É claro! Se Clarêncio se “levantou” é porque ele estava sentado! E se estava sentado, espírito tem nádegas! Concordam?
– Interessante! – tornou o nosso arranhado e humanizado “disco de vinil”...
– Interessante o quê?!  As nádegas?! – balbuciou um dos mais moleques, levando todo o mundo a gargalhar.
– O Ministro Clarêncio não estava lá levitando, não! – disse, procurando controlar a turma. – Como qualquer mortal, ele estava sentado! Isso nos leva a inferir o quê?
– Que não faltam cadeiras no Mundo Espiritual! – respondeu alguém.
– Nem camas, porque André Luiz estava deitado! – observou outro.
– Que espírito não é uma fumaçazinha, que ande deslizando por aí! – intrometeu-se mais um.
– E que, evidentemente – disse eu –, com todo respeito, que o Ministro não estava despojado da região glútea!
 – Interessante!
E emendei:
– Que ele é humano! Que somos todos humanos! A menos que, dentre vocês, haja alguém desprovido dos músculos glúteo máximos, médios e mínimos!
– Doutor – perguntou a Coordenadora, quase não se contendo –, o senhor vai colocar isso em livro?
– O quê?! Os glúteos?! Vou, sim, por que não?!...
– O pessoal do contra...
– Deixe o povo discutir se espírito tem nádegas ou não. Domingas, isso parece não ter importância nenhuma, mas é importantíssimo para a compreensão da anatomia dos defuntos, que somos nós! Temos ou não temos o direto de manter as nossas nádegas, e tão enrijecidas quanto possível?
– Interessante! – atalhou o boquiaberto companheiro.
– Qualquer coisa, a gente pode organizar uma passeata, Doutor!
– Pronto! Tem gente infiltrada aqui!...
– E com faixas , com dizeres à altura de...
– Alto lá! – aparteei, com a turma a se contorcer. – Reivindico para mim o direito de sugerir os ditos a serem estampados em defesa do bumbum, pois afinal de contas, estamos desencarnados, mas não descarnados!
A essa altura, com a aproximação de Odilon e Modesta, atraídos pela nossa algazarra juvenil, entramos em silêncio.
Será que alguém que promove um seminário para 150 Espíritos, no Mundo Espiritual, o estaria desenvolvendo em meio a uma algazarra? Será que o Dr. Inácio Ferreira, depois de dirigir um hospital psiquiátrico na Terra, durante cinquenta anos, estaria fazendo o papel de animador de auditório em espetáculo de baixa qualidade no Mundo Espiritual? E o ambiente retratado seria de tanto deboche, desrespeito e irreverência a ponto de causar preocupação com a chegada de dois outros Espíritos...
– Sobre o que conversavam – perguntou Modesta –, que sorriam tanto?
– Deixem-nos participar também! – surpreende-nos o Instrutor, passando amistosamente o braço sobre o meu pescoço.
Agora, coloca o Dr. Odilon no mesmo nível...
– Sabem o que é – tentei explicar, piscando para a turma –, nós estávamos a falar sobre a fisiologia complexa de certos músculos esqueléticos que, não pertencendo, propriamente, à região lombar, nem tampouco à parte posterior da coxa...
– Ah, Doutor, simplifique: sobre as nádegas! – exclamou Odilon, a quem positivamente nada escapava.
Entre sorrisos que se multiplicaram, confesso que só pude escutar a fantasmagórica voz, repetindo feito um badalo:
– Interessante!... (343/346)
Assim o “Dr. Inácio” termina seu livro “Estudando Nosso Lar”. Essa obra, como tantas outras escritas por esse Espírito fascinador que se apossou das faculdades do médium, é uma agressão à Doutrina Espírita, à nobre figura de Francisco Cândido Xavier, ao Dr. Inácio Ferreira, a André Luiz e à sua obra magistral.
Deve ser lembrado que se essa obra se destinasse a esclarecer pormenores da vida no Mundo Espiritual, ela deveria ser dirigida a encarnados e não a desencarnados que, em auditórios, estariam a ouvir esclarecimentos e comentários a respeito daquilo que já constituiria a realidade deles. É, além de tudo, uma agressão, não só à Doutrina Espírita, mas também à argúcia do leitor.

José Passini

           passinijose@yahoo.com.br

ANÁLISE DO LIVRO “DO OUTRO LADO DO ESPELHO”



Ao lermos um livro novo sempre surgem questionamentos, para os quais buscamos respostas, que deverão ser claras para nós, antes de as “passarmos para frente”, principalmente se estamos na condição de expositor, evangelizador ou de escritor. Atualmente, nota-se uma onda avassaladora de novas obras, algumas até atraentes pelas novidades, mas que postulam leitura atenta e análise criteriosa, a fim de que os malefícios de um deslumbramento inoperante não nos atinjam.
O livro em pauta, de autoria atribuída ao Dr. Inácio Ferreira, psicografia de Carlos A. Baccelli, mostra um Espírito muito diferente do Dr. Inácio Ferreira retratado por Manoel Philomeno de Miranda, na obra “Tormentos da Obsessão”, psicografada por Divaldo Pereira Franco. Nesta obra, fica-se sabendo que o ilustre clínico é responsável por um pavilhão da grande instituição hospitalar fundada por Eurípedes Barsanulfo, onde são tratados, amorosa e respeitosamente, médiuns que falharam no desempenho de suas missões.  Causa estranheza, na obra ora sob análise, o ilustre clínico apresentar-se como personagem controversa, que se ufana de sua rudeza, cuja tônica, nesta e em outras obras, é atacar os espíritas e, mais particularmente, os médiuns, usando uma linguagem, no mínimo, vulgar.
 Reparto com meus irmãos as minhas dúvidas, sem levá-las á imprensa, por julgar não ser, pelo menos por enquanto, produtiva tal atitude. Os trechos em negrito foram transcritos ipsis verbis da obra citada; os números entre parênteses se referem, às páginas:
Os ataques aos espíritas são freqüentes:
– O espírita tem a mania de se julgar sempre com a verdade. (16)
Em conversa com Maria Modesto Cravo – com quem trabalhara em reuniões mediúnicas quando encarnados – e com outro Espírito, fica sabendo que eles visitam regularmente o Sanatório que ele dirigira até a desencarnação:
                – Sim, de quando em quando, aparecemos por lá, não com a freqüência com que nos reclamam a presença, mas aparecemos...
                – Até você já apareceu, Inácio, depois de morto...
                – Como?! Eu não tenho nenhuma lembrança... Estou-me sentindo até impossibilitado de caminhar por aqui...
            – Pois é, com menos de um mês de desencarnado, ao que bem estamos sabendo, você já estava dando comunicação... (...)
             – Todavia, como é possível um espírito dar comunicação sem o saber?  Questionei estupefato. (...)
– Os amigos reunidos evocaram a sua presença...                                                                    
– E eu compareci sem o saber?                                                                                                                     
– Não, com você não foi assim. A mente do médium rastreou o seu psiquismo...                                                                              
                        –  Às vezes, quando o espírito não vai ao  médium, o médium pode ir ao espírito, Doutor – sintetizou Manoel Roberto.
                – De certo modo, embora tivesse deixado o corpo, o seu psiquismo pairava no ambiente do Sanatório...
                – E o médium conseguiu expressar com clareza o meu pensamento?
                – Em linhas gerais, sim. Digamos que, no específico, não.
                – O que foi que eu falei?
                – Fez algumas recomendações evangélicas, agradeceu... (32 / 34)
                Onde, afinal de contas, se encontrava o Espírito Inácio Ferreira naqueles trinta dias? Como seria possível estar alojado no Plano Espiritual que o acolheu, e dar comunicações sem o saber? Seria compreensível que o médium, desdobrado, pudesse tê-lo entrevistado no Mundo Espiritual, o que é muito diferente de o seu psiquismo que pairava no Sanatório dar uma comunicação... O Autor faz confusão entre psicometria e psicofonia / psicografia. Através destas, o Espírito pode transmitir uma mensagem atual; através daquela, só é possível a captação de cenas já vividas no passado.
                Vê-se claramente: ou o total desconhecimento do assunto ou o desejo de confundir, de desacreditar a mediunidade. Afinal o que quer dizer: o seu psiquismo pairava no Sanatório? Nota-se um perigoso incentivo para o surgimento de médiuns “rastreadores”, cujas mensagens seriam o fruto de captações de remanescentes fluídicos em determinados ambientes. Isso mais parece ficção, uma espécie de captação de imagens e sons através dos tempos. Não será estranho se aparecerem “médiuns” captando o psiquismo de Kardec, vez que na obra não foi definido um tempo de permanência desse “psiquismo pairante”...

                Ao ser convidado a participar de uma reunião mediúnica no Sanatório de Uberaba, onde, quando encarnado, fora diretor, responde:
                – Para quê?  Só se for para xingá-los... (Por favor sr. Médium e sr. Revisor,  não me queiram tolher a liberdade de dizer o que penso, da maneira que penso.) Aliás, para que saibam que sou eu, basta mesmo que eu abra a boca ou... que acenda um cigarro. Vou dizer a vocês o que penso: Os meus gatos, que ainda sobrevivem no Sanatório, apesar da vontade de alguns de expurgá-los, serão melhores intérpretes meus do que os médiuns que andam por lá... (...) Os médiuns não querem estudar, não querem disciplina... Ficam parados ao redor da mesa feito uns robôs; nem pensar eles pensam; esvaziam a mente de idéias, esperando que os espíritos façam tudo... Isto não é mediunidade, se o pobre do morto pudesse fazer tudo sozinho, os médiuns seriam meras figuras decorativas. E, depois, mentem: dizem que são inconscientes, que não se lembram de nada. (158 / 159)
                Continuando seus ataques aos médiuns do grupo que dirigiu, no Sanatório:
                – O médium me acolhe, me agasalha, abre a boca e só deixa passar o que não conflita com os seus pensamentos. Sendo assim, o que vou fazer lá? Passar raiva? Passar raiva, eu passava na condição de doutrinador, de dirigente dos trabalhos mediúnicos do Sanatório, que fui por mais de cinqüenta anos... (159 / 160)
                Se o grupo mediúnico era tão ruim, como pôde tolerá-lo durante cinqüenta anos? Note-se que ele ainda não retornara àquele grupo depois de desencarnado, logo essas impressões ele já as tinha antes de desencarnar:
                – Nós, os consideramos mortos, em matéria de mediunidade temos que nos contentar com percentagem: 30% nossos, 70% do médium... Quando, pelo menos, são 50% para cada lado, vá lá... Raro o médium que nos permite o empate. Isso sem falarmos nos médiuns que vivem colocando palavras inteiramente suas em nossos lábios: é um tal de termos dito, sem termos dito nada...  (...) Os médiuns hoje querem improvisar... Quanta mistificação!... (160)
                Mas a crítica aos médiuns não se restringe apenas àquele grupo. É generalizada:
                – O cenário vocês já conhecem, de uma reunião mediúnica: médiuns chegando em cima da hora, com justificativas vazias: “estava com visita em casa”, “choveu na hora de sair”, “desarranjo intestinal”, “o telefone tocou”...
                – Apenas dois espíritos, dos muitos que estam no recinto, lograram dar o ar da graça naquela noite, através da medianeira anônima: um que havia cometido o suicídio, e eu, que, se pudesse, estrangularia alguém. (161)
                Mais adiante, lembrando-se de que seu livro estava sendo escrito através de um médium, tenta isolá-lo do ataque generalizado que vinha fazendo:
                – A rigor, não posso me queixar. (...) Escrevendo agora sob a ação desta crise de seriedade que não sei de onde me veio, digo-lhes que quase todos os comunicados mediúnicos atribuídos a mim são autênticos. (166)
                Em meio aos comentários sobre mediunidade e médiuns, são inseridas essas declarações do Irmão José, a quem chama Benfeitor, transcritas sem qualquer comentário, logo inteiramente endossadas pelo Autor Espiritual:
                (...) Não devemos culpar a Igreja pelos rumos que imprimiu ao Cristianismo; sitiada espiritualmente, não raro se viu na contingência de ter que ceder a pressões para sobreviver. Não condenamos a instituição que, durante séculos, foi a guardiã dos princípios que nos são caros. Os homens é que, dominados por interesses estranhos, a desfiguraram. (179)
                Ao dizer que a Igreja não pode ser responsabilizada “pelos rumos que imprimiu ao Cristianismo”, o autor da declaração quer imputar a responsabilidade aos “homens que, dominados por interesses estranhos, a desfiguraram”. Quem são esses homens, se não membros da própria Igreja? Ou será que o autor está querendo definir a Igreja como entidade “fundada por Jesus” e independente dos homens? É fato notório que as pequenas comunidades cristãs dos primeiros tempos foram rudemente perseguidas. Mas, ainda no decorrer dos primeiros séculos, homens ávidos de poder, arrogando-se a condição de depositários absolutos da Mensagem Cristã, constituíram a Igreja. A partir daí, essa entidade, através dos homens que a compunham, passou a desfigurar a Mensagem Cristã, não tendo nunca cedido a pressão de qualquer natureza. Pelo contrário, ela é que pressionou, aterrorizou, perseguiu, encarcerou, torturou e executou muitos daqueles que se opunham à sua sede insaciável de domínio.
Outra afirmativa que causa espécie: “a instituição que, durante séculos, foi a guardiã dos princípios que nos são caros”. Que guardiã foi essa que, de posse das Escrituras, fez-lhes modificações e adaptações, de acordo com seus interesses? Foi a Igreja que criou o profissionalismo religioso entre os cristãos, a Santíssima Trindade, as indulgências, os rituais, as liturgias, os decretos de beatificação e santificação, os sacramentos, os ofícios religiosos pagos, a confissão auricular, os ídolos, o Purgatório, o Inferno de penas eternas e, acima de tudo, a Inquisição.
Como é que se publica uma defesa dessas numa obra que pretende ser espírita, se a Igreja, sem necessidade nenhuma de “sobreviver”, já toda consolidada e poderosa, perseguiu duramente o Judaísmo, o Protestantismo e o Espiritismo o quanto pôde?
Depois de defender a Igreja, o Irmão José, a título de defender o Espiritismo, centraliza, também ele, seu ataque contra a quase totalidade dos médiuns:
                – (...) Se não vigiarmos o suficiente, a Doutrina Espírita, que se propõe reviver o Evangelho, se desviará de suas finalidades; infelizmente, os prenúncios já aí estão... Pretensão à infalibilidade, elitismo, personalismo; isso tudo, sem mencionarmos o que se vem fazendo através da mediunidade – o canal que, na maioria dos medianeiros, é ocupado por entidades contrárias ao movimento de libertação de consciências que o Espiritismo propõe. Imperceptivelmente, os médiuns vêm sendo hipnotizados por espíritos que os dominam e que lhes inoculam n´alma o virus da ambição desmedida. Difícil nos depararmos com quem não esteja a serviço de si mesmo na Causa que abraçamos!... (180)
                Depois desse infeliz comentário, relembra ao Dr. Inácio a reencarnação de Torquemada, relatada no livro anterior “Sob as Cinzas do Tempo”, onde é revelado que esse Espírito, habitando um corpo disforme, foi resgatado pelos antigos perseguidores, depois de ter sido, no próprio berço, seu corpo engolido por uma sucuri, conduzida por esses inimigos...
                – Foi uma pena!... Tanto esforço do mundo espiritual para nada. Ele já estava no corpo, no entanto foi descoberto pelos antigos comparsas... Não podemos mais saber o paradeiro do seu espírito.. (181)
            Aqui cabe uma pergunta: como é que um Espírito que recebeu uma nova oportunidade de redenção, através de uma encarnação, pode, ainda na infância, no próprio berço, portanto sem ter praticado nenhum ato que comprometesse a oportunidade recebida, ser novamente arrebatado pelos antigos algozes? No livro “Libertação”, André Luiz, ao manifestar sua estranheza por não ver crianças naquela comunidade situada nas trevas, recebe a seguinte elucidação do Benfeitor Gúbio: Se a compaixão humana separa as crianças dos criminosos definidos, que dizer do carinho com que a compaixão celestial vela pelos infantes?          Libertação, cap. IV)
            O Irmão José continua explicando que Torquemada, depois de seqüestrado pelas trevas, retomou a condição de adulto e foi amarrado a um poste de flagelação, ficando a queimar como se estivesse numa fornalha ardente...    
            – Mas o Inferno existe? – perguntei intrigado.
            – Sim, só que não é criação de Deus – respondeu o Irmão José, deixando-me aparvalhado.                    
            – O Inferno, em essência, está na consciência culpada, todavia, por vezes, ele também se exterioriza...      
            – Localiza-se em alguma parte?...
            – Como não?
            – E Satanás – inquiri – existirá também? (181 / 182)                                                                                        
            Será que o espírita, Dr. Inácio Ferreira, esqueceu-se da Doutrina só porque desencarnou, e agora faz essas perguntas infantis? Entretanto, seu tom não é tão infantil quando se refere aos espíritas:
            – Digo-lhe, sem receio de estar errando: a esmagadora maioria dos espíritas são entidades que delinquiram. Agora, na condição de espírito livre, eu posso enxergá-los melhor por baixo da batina, ops!, por debaixo das vestes... Vejo antigos bispos e cardeais ocupando posições de destaque no Espiritismo, perdidos à procura de uma hierarquia que, graças a Deus, não mais existe. Quando ainda têm oportunidade de liderar, demonstram um ranço religioso que trazem consigo desde muitas eras e mentem, continuando a agir hipocritamente.          (199)   

            É verdadeiramente absurda essa acusação contra a esmagadora maioria dos espíritas! Se os espíritas quando têm oportunidade de liderar demonstram um ranço religioso que trazem consigo desde muitas eras e mentem, continuando agir hipocritamente, como é que o Espiritismo tem progredido tanto? Não dá para ver que essas palavras são oriundas de um Espírito inimigo do Espiritismo, que só se refere a espíritas, a médiuns e ao próprio Espiritismo para denegrir, menosprezar?
            Ao preparar uma caravana para o resgate de Torquemada, algo digno de integrar bom filme de ficção, relata instruções recebidas de outro Espírito:
            – Vocês necessitarão de muita cautela. É possível que os líderes dos “dragões”, a esta altura, já saibam; eles têm como rastrear os nossos pensamentos... Possuem sensitivos a seus serviços – entidades que são verdadeiras antenas psíquicas; muitos deles têm a capacidade de deixar o pesado corpo espiritual e vir a nós, em estranho processo de espionagem.
            – Mas isto é possível? Pode o inferior subir ao superior?                                                   – Quem lhe disse, Inácio, que somos superiores? A questão não é de moralidade, mas de intelectualidade. Se, segundo as Escrituras Sagradas, o Demônio teve acesso a Jesus para
            – Quem lhe disse, Inácio, que somos superiores? A questão não é de moralidade, mas de intelectualidade. Se, segundo as Escrituras Sagradas, o Demônio teve acesso a Jesus para tentá-lo... (204 / 205)                                
            Agora são as Trevas que rastreiam a Luz! Deixando de lado a questão do Demônio, o argumento é, também, absurdo, pois parece que o Espírito admite o episódio da tentação como verdade. Além do mais, fica parecendo que o Demônio teria mais intelectualidade do que Jesus!!!
            No deslocamento da caravana que visava à libertação de Torquemada, O Dr. Inácio dialoga com um espírito, um duende, como é chamado na obra, que diz chamar-se Labelius.                                                                                                       
            – Quantos vocês são, por aqui?
            – Somos mais ou menos cinquenta!... Não nos proliferamos tanto.
            – Mas... nascem crianças entre vocês?...
            – Não somos diferentes das flores e dos pássaros...Por que não nos reproduziríamos, se uma simples semente se reproduz? Vejo que continuam não sabendo tanto da vida... (241 / 242)                                                                                                               
            Segundo se entende, trata-se de Espíritos que não atingiram, ainda, a humanização. É digno de nota o raciocínio claro e lógico do tal Labelius... E o fato de proliferarem, nascerem crianças no Mundo Espiritual?!!!
            – Você já se reencarnou alguma vez?          
             – Na espécie humana, uma única vez – respondeu.
            – Somos como vocês, os humanos; uns mais, outros menos dotados de inteligência; estamos mais próximos do mundo natural do que do mundo racional... Somos um povo, uma raça com características definidas.                                                    
            – Mas, se você reencarnou como homem e voltou a ser duende, houve um retrocesso...
            – Jesus Cristo teria se degradado por ter vivido na Terra, descendo das Esferas Luminescentes que habita? – argumentou com lógica e surpreendentes noções. (244 / 245)
            Um Espírito, depois de encarnar como ser humano, voltaria à condição de humanóide? Pela leitura do texto, verifica-se que esse humanóide tem capacidade para avaliar os homens, entre os quais diz ter estado encarnado, tendo sido compelido a voltar àquela condição sub-humana. Como conciliar isso com item 612 de “O Livro dos Espíritos”?
            No seu raciocínio, esse humanóide faz uma comparação equivocada com a encarnação de Jesus, que veio à Terra no cumprimento de uma missão. Labelius simplesmente teria retornado à condição anterior. O Autor não percebeu a incoerência, o aspecto anti-doutrinário do assunto, pois ao relatá-lo, sem ressalvas, demonstra concordar plenamente com o que foi dito. Tal posicionamento se contrapõe frontalmente à Doutrina Espírita. Além do mais, tendo-se em vista a natureza eminentemente educadora do Espiritismo, entende-se que, numa obra espírita, quando há o relato de uma atitude equivocada, aterrorizante ou menos edificante, deve haver um comentário que mostre claramente o seu aspecto negativo, a fim de que a gravidade das cenas ou dos acontecimentos não seja minimizada, deixando passar ao leitor menos esclarecido a idéia de que se trata de algo mais ou menos natural.
                Há muitos outros pontos anti-doutrinários na obra, mas seria por demais longa a tarefa de examiná-los todos. Seria o caso de se escrever um outro livro.
                                                                                                                                                                                               
José Passini
Juiz de Fora MG